segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Pesquisa revela o que pensam os alunos do Ensino Médio no RJ


Fonte: Jornal O Dia - 18 de janeiro de 2010


95% não sabem se vão concluir os estudos

Pesquisa revela que estudantes do Ensino Médio do Rio não veem perspectiva de futuro na escola

POR DIEGO BARRETO

Rio - Só 5% dos alunos da rede pública estadual do Rio têm certeza de que vão concluir o Ensino Médio. O dado foi revelado pela pesquisa ‘O Aluno do Ensino Médio Público Estadual — Percepções, Hábitos e Expectativas’, divulgada pela Secretaria Estadual de Educação (Seeduc). Realizado entre 2008 e 2009 pelo Instituto Mapear, o estudo também mostrou que cerca de 20% dos estudantes interromperam os estudos em algum momento por impedimentos, como trabalho ou gestação. O número de alunos com filhos é expressivo: 15% das meninas já são mães e 8% dos alunos conhecem os desafios da paternidade.

Foto: Alexandre Brum / Agência O Dia
Pesquisa revela que estudantes do Ensino Médio do Rio não veem perspectiva de futuro | Foto: Alexandre Brum / Agência O Dia

Dentro das estatísticas está o ajudante de cozinha Marcos Vinicius da Conceição, 27 anos, que conta nos dedos os dias para retomar os estudos. Morador do bairro do Galo Branco, em São Gonçalo, ele precisou deixar a sala de aula quando cursava o 1º ano do Ensino Médio para conciliar dois empregos. Quando pensava em voltar para a escola, sua mulher engravidou e ele teve que se preparar para a chegada do pequeno João Victor. “Quando trabalhava em dois empregos, ficava esgotado e acabei deixando a escola. Depois minha esposa engravidou, e não deu para retomar. Agora que meu filho está com 4 anos, quero voltar a estudar. Faz toda diferença no mercado de trabalho”, acredita.

Marcos está disposto a dividir seu tempo entre o atual emprego, a família e a escola. “Meu desejo é terminar o Ensino Médio e fazer cursos de capacitação. Mas, para quem trabalha, as coisas acabam sendo mais complicadas. Quero estudar até mesmo para dar exemplo ao meu filho”, conclui.

Após o nascimento de seu primeiro filho, em outubro passado, Lorraine Cristina Marinho, 14 anos, também precisou abandonar a escola. Ela cursava o 5º ano do Ensino Fundamental. “Tive que parar. Pretendo voltar no ano que vem. Mas não tenho ideia de qual profissão vou seguir. Depois que o Lorran nasceu eu estou mais com ele, em casa”, conta a adolescente.

Lizandra Rodrigues Lima, 15 anos, conseguiu conciliar a maternidade com os estudos. Mesmo com o nascimento do filho Pietro, em setembro, ela concluiu o Ensino Fundamental. Moradora da Tijuca, Lizandra se prepara agora para iniciar o Ensino Médio na Escola Estadual Antonio Prado Júnior. “Às vezes, precisava faltar aulas durante a gravidez. Mas consegui terminar e passar para o 1º ano do Ensino Médio”, orgulha-se. A adolescente quer fazer Enfermagem, mas, embora já tenha ultrapassado diversos obstáculos, não tem certeza se vai concluir o Ensino Médio. “Chegar até aqui foi um sacrifício. Quero seguir com os estudos, mas não sei se consigo concluir. Meu sonho é ser enfermeira”, diz.

A subsecretária de comunicação e projetos da Seeduc, Delânia Cavalcanti, ressalta que, apesar de a maioria dos estudantes ter respondido que não tem certeza se concluirá o Ensino Médio, a maior parte dos alunos considera a educação fundamental. “A pesquisa foi muito importante porque passamos a conhecer o que pensam e o que querem os nossos alunos. Havia a necessidade de traçar esse perfil. Realmente, o percentual dos que não têm certeza se vai terminar os estudos é alto. Mas eles querem concluir”, observa.

A doutora em Educação Bertha do Valle, da Uerj, ressalta, no entanto, que muitos alunos só consideram o Ensino Médio válido para quem pretende ingressar no Ensino Superior. “Muitos estudantes não chegam a concluir porque acham que o Ensino Médio só tem valor para quem vai prestar vestibular. Esses alunos muitas vezes precisam entrar no mercado de trabalho e, nesse caso, a capacitação profissional é mais interessante”.

A assistente social Denise Auvray, da ONG Abraçar, explica que é importante o aluno seguir com estudos mesmo quando ocorre maternidade ou paternidade precoce. “Uma gravidez precoce traz conflitos, inseguranças, baixa auto-estima. A escola tem papel fundamental na acolhida e orientação desses jovens. Esse grupo social será determinante para a aceitação e decisão de permanência no convívio escolar”.

Atenção especial para a sexualidade dos alunos

A subsecretária Delânia Cavalcanti explica que, com base nos resultados da pesquisa, estão sendo desenvolvidos projetos que atendem aos alunos do Ensino Médio. A sexualidade mereceu atenção especial. “O assunto ainda é tabu em sala de aula e o percentual de estudantes que têm filhos é considerável. Desenvolvemos dois projetos para atender essa demanda. O ‘Verdade ou Consequência’ promoveu oficinas e debates em 12 escolas; enquanto no ‘Festival Sem Tabu’, os alunos assistiam e produziam curta-metragens de animação sobre sexualidade. Capacitamos 4 mil professores das redes estadual e municipal para tratar do tema com os adolescentes”, enumera.

Outro aspecto que tem tratamento especial é a conclusão dos estudos. “Queremos tornar a escola um espaço atraente. Estamos trabalhando as linguagens e os meios que despertam o interesse dos jovens através de sites como o Orkut e o Twitter. Também está sendo implantado o Ensino Médio Integrado, no qual o aluno tem a formação geral e a capacitação profissional”, conta.

Poesia para resgatar a autoestima


Uma das constatações da pesquisa é que os alunos da rede estadual, sobretudo aqueles que moram em comunidades mais carentes, apresentam problemas de baixa autoestima. Com o objetivo de reverter este quadro, foi concebido o projeto ‘Levanta a Cabeça’, em que atores do grupo Nós do Morro e a poetisa Elisa Lucinda participaram de palestras e oficinas direcionadas a 1.200 alunos. “Trouxemos personalidades que estão na grande mídia para bate-papos com os alunos. Muitas estudantes não acreditavam que poderiam vencer”, explica Delânia.

Para a poetisa Elisa Lucinda, a experiência foi única. “Adorei participar e achei a iniciativa fantástica. Trabalhamos a palavra na construção da cidadania. Meu objetivo era desmistificar a poesia. Dizia para os alunos que, dominando a língua, eles poderiam contar a própria história. A palavra é instrumento, com a palavra eles podem se proteger; quem tem repertório não tem medo. A reação dos alunos foi ótima”.


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